Os médicos devem descer do pedestal

Texto do Dr. Terry Lynch; publicado no The Wellbeing Foundation.

Nesse artigo o Dr. Terry Lynch aborda a questão dos médicos prescreverem remédios em vez de escutarem as angústias de seus pacientes, que necessitam de alguém para ouvi-los e não de pílulas.

Nos meus primeiros anos como médico, pensei ser um bom ouvinte e até certo ponto fui. Quando meus olhos começaram a se abrir, percebi cada vez mais que, como meus colegas médicos, havia sido treinado para reinterpretar as histórias das pessoas, para decidir quais partes da história eram significativas e quais não eram. Eu não percebi isso na época, mas como médico, estava em uma posição muito poderosa; minha interpretação das histórias das pessoas decidia como os problemas delas eram tratados. Daí minha inquietação, cada vez maior, durante esses anos de questionamento, à medida que me tornava cada vez mais consciente de quão grosseiramente inadequada fora minha formação médica na área dos problemas de saúde mental.

Por exemplo, comecei a perceber que praticamente todas as pessoas que encontrei com problemas de saúde mental tinham uma autoestima e autoconfiança muito baixas. À medida que removia mais e mais as vendas do meu treinamento médico, parecia que esses problemas eram de suma relevância e importância para os problemas que estavam sendo vivenciados. Comecei a perceber que as pessoas que enfrentam problemas de saúde mental frequentemente tendem a ser infelizes, solitárias, sobrecarregadas, lutando para lidar com a vida e seus desafios; magoadas, pouco assertivas, tendiam a não se expressar; sentiam-se muito inseguras ou acreditavam ser impotentes para melhorar sua vida.

Cada vez mais questionava como eu e outros médicos poderíamos emergir do treinamento médico com tanto poder e influência, mas tendo ainda tão pouco entendimento sobre os elementos principais referentes aos problemas de saúde mental em que presumíamos ter expertise.

Percebi que, se realmente queria ser eficaz no meu trabalho com pessoas com problemas de saúde mental, primeiro precisava melhorar bastante minha compreensão dos problemas de saúde mental. Para esse fim, fiz um mestrado em psicoterapia na Universidade de Limerick, que concluí em 2002. No entanto, a principal fonte de minha reeducação veio dos meus clientes. Como consequência desse processo de reeducação, o que aprendi na faculdade de medicina agora compreende apenas uma pequena minoria do que trago ao meu trabalho e como entendo as experiências das pessoas com problemas de saúde mental.

O nome Depression Dialogues é interessante. Nos países ocidentais modernos, como a Irlanda, há pouco diálogo real em torno da depressão ou mesmo sobre problemas de saúde mental em geral. Quando a depressão é discutida, o foco tende para a depressão ser vista como uma doença. Os especialistas nomeados pela sociedade comentam o impacto da depressão tanto no indivíduo quanto na sociedade e oferecem conselhos sobre como ela deve ser tratada.

Mas em nossa sociedade, há pouco diálogo real sobre o que a depressão realmente é – sobre a experiência real da depressão. As pessoas que estão enfrentando problemas de saúde mental, como a depressão, geralmente se sentem marginalizadas ou excluídas, porque há muita relutância em discutir abertamente os problemas de saúde mental. Isso surgiu recentemente com um jovem que eu atendo. Ao longo de 18 meses, ele havia passado pelo período mais importante de sua vida – um período de terror sempre presente, ansiedade, solidão, depressão, desespero e sem esperança de paz interior, intimidade e autoconfiança. No entanto, apenas duas pessoas além dele sabem dessa transformação – seu parceiro e eu.

Aqui reside a ironia da depressão em nossa sociedade. É amplamente aceito que a depressão é muito comum. A depressão está na vanguarda das categorias de diagnóstico de clínicos gerais e psiquiatras. Mas, apesar de todo esse aparente foco na depressão e nos problemas de saúde mental em geral, há pouca discussão em torno da experiência da depressão. As pessoas que sofrem de depressão frequentemente sentem que não podem falar sobre isso em público, por medo de julgamento e alienação.

A preocupação atual em interpretar problemas de saúde mental como doenças médicas pode parecer plausível. No entanto, essa abordagem é problemática em muitas frentes. Ao contrário das opiniões expressas por muitos médicos, os vínculos entre problemas de saúde mental e causação biológica continuam sendo uma hipótese; é uma teoria não comprovada.

Nenhuma pessoa, em qualquer lugar do mundo, jamais teve suas supostas anormalidades cerebrais bioquímicas confirmadas com qualquer forma de teste de laboratório. Parece-me que a única abordagem verdadeiramente científica é permanecer aberto a essa possibilidade, assegurando, ao mesmo tempo, que todas as outras causas e abordagens legítimas possíveis para os problemas de saúde mental recebam atenção adequada.

Uma consequência séria da preocupação médica com a biologia e a doença é que os problemas de saúde mental tendem a ser tratados no vácuo, como se tivessem pouca ou nenhuma relevância ou contribuição para a vida cotidiana da pessoa. Parece-me que esta é uma abordagem pouco realista da saúde mental e dos problemas de saúde mental.

Há poucas evidências de que todo esse foco médico na depressão e nos problemas de saúde mental esteja alcançando resultados. As taxas de prescrição de antidepressivos aumentaram de forma consistente e substancial nos últimos 15 anos, desde que o Prozac e os outros medicamentos SSRI chegaram ao mercado. Aproximadamente 300.000 pessoas na Irlanda tomam antidepressivos. Certamente, com tantas pessoas tomando-os, e dado o entusiasmo que os médicos os prescrevem ao longo dos anos, deve ser relativamente fácil estabelecer, sem sombra de dúvida, que esses medicamentos estão fazendo a diferença na “luta” contra a depressão.

Surpreendentemente, talvez, haja pouca ou nenhuma evidência disso. O suicídio, considerado uma consequência da depressão, continua sendo um escândalo social de proporções enormes, apesar da crescente prescrição dessas drogas. As taxas de internação por depressão, o atendimento ambulatorial por depressão e as taxas de incapacidade por depressão aumentaram constantemente nos últimos 15 anos. Se os medicamentos antidepressivos fossem tão eficazes quanto nos disseram, todos esses índices deveriam estar diminuindo, e não aumentando.

De fato, surgiram evidências claras nos últimos anos de que o valor e a eficácia desses medicamentos foram supervalorizados consideravelmente. Isso não quer dizer que a medicação não tenha nenhum papel. Muitas pessoas relatam que a medicação as ajudou muito. Algumas pessoas dizem que a medicação foi essencial, que foi um salva-vidas para eles. No entanto, os serviços de saúde mental que fornecem pouco além de medicamentos são inerentemente seriamente deficientes.

Para evitar a maré de suicídio, depressão e problemas de saúde mental que envolvem a Irlanda e outros países, é urgentemente necessária uma grande revisão dos serviços de intervenção e apoio aos serviços de depressão e saúde mental, assim como uma grande revisão da natureza dos problemas de saúde mental. Na minha opinião, o que é necessário inclui uma maior contribuição de pessoas que sofrem de depressão; um foco muito maior na experiência da depressão e no processo de recuperação. Acredito que os Depression Dialogues podem ser um recurso valioso, ajudando as pessoas a compartilharem e perceberem que não estão sozinhas nas suas experiências.

O Dr. Terry Lynch é o autor de Beyond Prozac. Vive em Limerick, Irlanda, onde atende como psicoterapeuta. Em suas próprias palavras explica por que perdeu a fé na maneira como foi treinado para praticar medicina:

Qualifiquei-me como médico em 1982, pela University College, Cork. Após o treinamento, em 1987, comecei a trabalhar como clínico geral em Limerick e continuei até 1997. Nos primeiros anos de meu trabalho como clínico geral, abracei tudo o que havia aprendido com entusiasmo. Por volta de 1992, comecei a questionar muito do que me haviam ensinado. O ímpeto para esse questionamento veio através das pessoas que entraram no meu consultório e se preocuparam particularmente com problemas de saúde mental.

Tradução: Lia Beatriz Fleck.

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