Antidepressivos e Desinformação On-line

 

Estudo de sites de medicina encontra disseminação de informações falsas.

 

Por Christopher Lane, Ph.D publicado em Psychology Today

A maioria das pessoas obtém informações médicas na Internet. E esse fato inquietante torna especialmente importante que os sites médicos sejam baseados em evidências, com informações precisas, equilibradas e atualizadas.

A forma como os medicamentos são apresentados tem uma influência significativa nos padrões de prescrição e na percepções de sua segurança. Mas o consentimento informado não é possível se os danos conhecidos
são minimizados ou apresentados de maneira negligente e enganosa.

Daí a importância de um estudo recém-publicado no International Journal of Risk and Safety in Medicine. Os pesquisadores de ponta, Maryanne Demasi (Nordic Cochrane Center, Copenhague) e Peter C. Gøtzsche (Institute for Scientific Freedom, Copenhague) aplicaram uma lista de verificação de 14 critérios predefinidos em sites proeminentes de 10 países diferentes, nos quais antidepressivos são amplamente prescritos. Eles desenvolveram um estudo transversal dos benefícios e malefícios apresentados em sites da Austrália, Canadá, Dinamarca, Irlanda, Nova Zelândia, Noruega, África do Sul, Suécia, Reino Unido e EUA.

Encontraram um padrão consistente e global, especialmente no que diz respeito à retirada de antidepressivos, suicídio, efeitos colaterais sobre a sexualidade e outros. Devido, em parte, ao patrocínio de empresas farmacêuticas e pressões comerciais relacionadas, a lista de benefícios e malefícios dos antidepressivos nos sites revelou-se, repetidamente, estar em "conflito com as evidências científicas

Aplicando diretrizes internacionais, como o Canadian Medical Protective Association's Good Practices Guide e o Australia's National Health and Medical Research Council (Guia de Boas Práticas da Associação Médica Canadense e Conselho Nacional de Pesquisa Médica e Saúde da Austrália), Demasi e Gøtzsche determinaram que nenhum dos sites atendia a padrões aceitáveis ​​de consentimento informado ou evidência científica. A desinformação generalizada que fornecem está "provavelmente levando ao uso inadequado e excessivo de antidepressivos" e "reduzindo a probabilidade de as pessoas procurarem melhores opções como psicoterapia".

Demasi e Gøtzsche dividiram os sites em três grupos, se estavam vinculados a instituições governamentais, a grupos ativistas em defesa de direitos ou a organizações de consumidores. Quando as informações sobre dotação de recursos não estavam claras, eles enviaram e-mails ou ligaram às organizações para obter esclarecimentos.

Os pesquisadores identificaram que todos os sites listam os usos e benefícios dos antidepressivos. Um site australiano alegou, sem evidências, "A maioria das pessoas (60 a 70 por cento) se recuperará em 6 a 8 semanas com o uso de antidepressivos". Outro: "Cerca de 70% das pessoas com depressão maior começam a se sentir melhor com o primeiro tipo de antidepressivo prescrito".

Vinte e nove (74%) dos sites atribuíram a depressão a um "desequilíbrio químico", um preceito desmentido há mais de uma década, mas que os sites continuam sugerindo que pode ser tratado e corrigido. Declarações de importantes prestadores de serviços de saúde dos EUA argumentam: "É um desequilíbrio químico em seu cérebro que precisa ser tratado". "As substancias químicas em seu cérebro, chamadas neurotransmissores, podem estar desequilibradas." "Se você está deprimido, eles estão desequilibrados e não funcionam corretamente".

Com o reconhecimento formal europeu da disfunção sexual pós-ISRS ,23 (59%) dos sites mencionaram que os antidepressivos estavam associados à disfunção sexual. Um site irlandês afirmou que os ISRSs são conhecidos por causar "baixo desejo sexual, falta de orgasmo e, nos homens, ereção ou ejaculação anormal".

No entanto, 22 sites (56%) também alegaram que os antidepressivos poderiam prevenir uma recaída, aconselhando que os medicamentos fossem tomados usualmente por seis a nove meses, com alguns sites até sugerindo pelo resto da vida. O site do Royal College of Psychiatrists do Reino Unido é citado como afirmando, ao contrário do consenso revisado, que se as pessoas tiverem problemas para parar com seus medicamentos: "A maioria dos médicos diria que é mais provável que a condição original retornou".

Demasi e Gøtzsche determinaram que 25 (64%) dos sites indicaram que os antidepressivos "podem causar aumento da ideação suicida". Mas "23 (92 por cento) deles continham informações incorretas e apenas dois (5 por cento) sites observaram que o risco de suicídio aumenta em pessoas de todas as idades". Além disso, "28 sites (72%) alertaram os pacientes sobre os efeitos da abstinência, mas apenas um afirmou que o uso de antidepressivos" pode resultar em dependência.

Com relação ao suicídio, Demasi e Gøtzsche observam que, embora o FDA em 2007 tenha expandido que o aviso de tarja preta para os ISRSs incluísse os menores de 25 anos, um site trivializou o aviso afirmando que o suicídio era raro e só era observado naqueles "com menos de 18 anos". Apesar de um grande número de estudos que apóiarem o alerta da FDA, o Royal College of Psychiatrists do Reino Unido é citado como afirmando: "Não há evidências claras de um risco aumentado de automutilação e pensamentos suicidas em adultos de 18 anos ou mais". Da base de evidências disponível, Demasi e Gøtzsche são enfáticos: "Todos os antidepressivos não são seguros para crianças".

Seu oportuno estudo aparece na sequência de análises contundentes semelhantes de Gøtzsche na edição anterior da revista - um estudo concluiu: "O uso a longo prazo de antipsicóticos e antidepressivos não é baseado em evidências". Em relação ao problema generalizado efeitos inflacionados, ensaios clínicos que não são adequadamente cegos e resultados trocados ou interpretados subjetivamente, Gøtzsche conclui: "O uso generalizado de medicamentos psiquiátricos não parece ser baseado em evidências,", mas parece ser impulsionado principalmente por pressões comerciais".

Em meio a essas e outras advertências semelhantes sobre a sobre-prescrição de antidepressivos ISRS, devido em parte ao estresse e ansiedade relacionados ao coronavírus, em uma escala sentida em todo o mundo, é especialmente importante ouvir lembretes de que o COVID-19, embora seja uma pandemia, não é uma crise de saúde mental. Isso, como explica a Dra. Lucy Johnstone, "é saudável ter medo em uma crise" e "errado ver nossos medos naturais como distúrbios de saúde mental".

"Não é verdadeiro, nem ajuda rotular essas reações como uma 'crise de saúde mental'", acrescenta Public Health England. E do Conselho Britânico de Psiquiatria Baseada em Evidências: "Ansiedade, baixo humor, pânico, medo e confusão são respostas compreensíveis a uma ameaça muito real".

 

Referências

 

Demasi, M. e P. Gøtzsche. 2020. “Presentation of benefits and harms of antidepressants on websites: A cross sectional study.” Int J Risk Saf Med. 2020. doi: 10.3233/JRS-191023. [Epub ahead of print]

Gøtzsche, P. “Long-term use of antipsychotics and antidepressants is not evidence-based.” Int J Risk Saf Med. 2020;31(1):37-42. doi: 10.3233/JRS-195060. [Link]

 

Tradução: Lia Beatriz Fleck

Link para o artigo original: Psychology Today

Christopher Lane, Ph.D.,

Christopher Lane, Ph.D., recebeu o prêmio Prescrire Prize for Medical Writing e ensina na Northwestern University. Ele é autor de Shyness: How Normal Behavior Became a Sickness. (Como o comportamento normal se tornou uma doença).

Online: Christopher Lane - Site do autor, Facebook, Twitter